Marizote
Marizote
Por Júlio Bonrruquer Neto
Tudo bem que já não fosse a tia gorda. Tudo bem que não usasse tailleur cinza. Tudo bem até que em vez de maquilagem às vezes usasse olheiras. Mas aqueles malditos all star coloridos, não. Não era possível que aquilo fosse a nova professora de língua.
Se ainda fossem novos ou limpos tudo bem. Mas aquele maldito par de tênis não me saía da cabeça. Eu gostava do jeito que falava. Como todas as coisas sérias do mundo pareciam simples e objetivas quando ela sorria. Eu gostava dos poemas no final de cada aula e eu gostava de poder ajudar. Eu era representante de classe, sabe? Daqueles pau-pra-toda-obra. Mas eu não podia conceber o maldito par de all star amarelo.
All star amarelo não combina com norma padrão, preconceito lingüístico, como fazer. All star amarelo não combina com alguém que passou do segundo grau. A maquilagem cai muito bem com um par de brincos e a norma culta. Um par de saltos ficaria perfeito em sua complexidade verbal. Ao invés disso, os livros de poemas dentro da bolsa e o maldito all star.
A questão é que essa mulher nos conquistou. Ao contrário de outros que tentaram nos comprar com aparências e cargos importantes essa mulher nos conquistou assim mesmo de cabelos desarrumados, calças largas e all star amarelo. Não era possível. Preconceito lingüístico, a desconstrução.
Eu achava divertido quando ela dava suas broncas e achava terno quando pedia minha ajuda. Eu parecia mais perto do paraíso em poder ajudar. Entre as muitas coisas que essa mulher me ensinou, ela me ensinou a gostar dos all star estampados, do cabelo esvoaçante e das mil idéias que carrega na cabeça.
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